
Óleo sobre tela: natureza morta
Maria Quitéria
A tela é um rio. A tela é o mar. Óleo sobre a paisagem. Óleo descartado. Óleo. Olhe.
Houve um tempo em que eu brincava de ver imagens nas nuvens mas hoje elas estão tão escuras... Agora vejo imagens nas águas do ribeirinho que margeia a estrada da vida. Há pequenas formações: são bolhinhas e bolhinhas que se juntam. Formam bichinhos desfocados, pequeninas pétalas de flores, um ramo... As nuvens de algodão agora estão nas águas; são flocos e flocos de espuma. Às vezes tento pegá-las e elas já se transformam em outras coisas. São viscosas, de cheiro ruim.
Houve um tempo em que eu brincava de cientista; misturava água e sabão e fazia bolhas no ar com um raminho de mamona. As bolhas eram coloridas e, dentro delas, eu podia ver, ou imaginar que estava vendo entre suas cores, formações rochosas, uma aurora boreal.
Houve um tempo em que eu era tão pequenina, que olhava o mundo como se fosse um dinossauro: era grande, poderoso. Hoje eu sou maior, mas o mundo continua se parecendo com um grande e imenso fóssil alquebrado. Ele ainda tem a arcada óssea imensa mas está para partir. Tenho medo.
Houve um tempo em que eu cria que o mundo iria durar para sempre. Que eu iria durar para sempre. Cresci e plantei sementes. Semeei a terra da minha vida com estudos, trabalho e vi crescer uma flor muito bela que também daria sementes, perpetuando a minha própria eternidade, mas... Se o óleo sobre a terra continuar, a semente que plantei e virou flor talvez não queira semear essa mesma terra e fincar nela a sua eternidade, pondo em risco a minha própria. Se essa mancha no oceano continuar formando desenhos imensos, o meu ribeirinho poderá ficar doente e morrer. Se os flocos brancos continuarem crescendo nas águas que margeiam a vida, serei tragada por elas e a tela da natureza irá perecer e, com ela, perecerei eu.
Hoje segurei a mão que iria jogar óleo na tela pulsante e coloquei um copo de água límpida sobre a mesa. Acendi uma vela para o anjo. Já posso ver, no copo, o azul do céu e as nuvens passando. Já posso ver pequenas formações. Amanhã quero ir ao ribeirinho e olhar suas águas. Quero ver ali apenas o reflexo do céu e do verde das suas marginais; como a derradeira imagem de esperança de uma natureza viva.
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